Hoje, no Brasil, não há oposição a este governo. Nem de esquerda nem de
direita. Ao contrário, uma grande maioria considera este o melhor
governo de todos. O segredo é que Dilma conquistou o apoio da classe
média, e Lula e as políticas sociais têm mantido a popularidade da
presidente nos setores populares.
O governo parece apostar no desenvolvimento do mercado interno para se
defender da queda das exportações e diminuir a vulnerabilidade da
economia. E dispõe de instituições como o BNDES, o Banco do Brasil, a
Caixa Econômica Federal e a Petrobras, que podem induzir novas
estratégias de desenvolvimento.
Fomentar o mercado interno parece ser uma medida acertada. Mas
crescimento não é mais sinônimo de desenvolvimento. Se conduzido nos
parâmetros de desenvolvimento atuais, esse crescimento deve levar a uma
ainda maior concentração da riqueza e à manutenção de níveis de
desigualdade que se reproduzem há décadas e permanecem basicamente
inalterados. Mas a situação traz outras possibilidades: dinamizar o
mercado interno pode também favorecer uma redistribuição mais acelerada
da riqueza.
As políticas sociais não têm sido capazes de reverter o quadro de
desigualdade de forma estrutural. Nem têm esse propósito. Para superar a
desigualdade, é preciso outro modelo de desenvolvimento, outros atores
como protagonistas. Nesse campo de disputas quanto aos sentidos do
desenvolvimento, o reconhecimento de que cada território é um território
único, distinto, singular, abre espaço para a mobilização democrática e
produtiva do território, principalmente com a mobilização dos pequenos e
médios produtores, o que pode contribuir para a construção de um novo
projeto.
Essa lógica que organiza nossa sociedade, levando ao 1% quase toda a riqueza, reproduz-se por força das pressões dos lobbies
empresariais, especialmente do setor financeiro. E se converte em
políticas de Estado. O Estado, capturado por esse poder, passa então não
apenas a financiar o setor privado, mas também a garantir em última
instância todas as dívidas que ele venha a contrair.
Uma grande lacuna na estratégia de desenvolvimento brasileira é a
questão ambiental. O que não é casual, uma vez que predomina a lógica da
facilitação dos negócios das grandes empresas. A questão de garantir as
exportações, por exemplo, demonstra essa hegemonia. Mesmo que as
exportações não ultrapassem 15% do PIB brasileiro, são elas que balizam
as políticas macroeconômicas e ambientais. Para além da questão
ambiental, há também elementos das culturas locais que são
desconsiderados nessas políticas impostas de cima para baixo, como é a
questão da permanência de povos originários que estão sendo desalojados
em virtude da instalação de macroestruturas financiadas, muitas vezes,
com recursos públicos − a exemplo dos quilombolas de Alcântara e dos
grupos indígenas de Belo Monte.
O Brasil age como se estivéssemos no início do século XX. A sociedade
brasileira e os governos ainda não se deram conta da urgência da questão
ambiental. O aquecimento global é responsável pelas chuvas torrenciais e
desabamentos, por exemplo, no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais,
Rio Grande do Sul, pelos ciclones que agora existem no Sul do país, pela
desertificação de parte do semiárido nordestino, por enchentes sem
precedentes, e nem por isso o governo federal aplica de forma adequada
políticas de sustentabilidade ambiental, tampouco o papel de regulação
do município tem sido aprimorado.
Ainda que o país tenha uma matriz energética das mais limpas em razão
do peso das hidrelétricas, o governo federal ignora o desastre nuclear
de Fukushima e mantém o propósito de construir usinas nucleares, na
contramão de todo um movimento mundial que condena hoje a energia
nuclear.
Ao que parece, o que ocorreu com o Código Florestal pode ser o
indicativo de uma tendência: o surgimento de mobilizações de direita,
articuladas com a pressão de lobbies sobre o Congresso, que
buscam ampliar as vantagens da exploração econômica sacrificando
direitos e o meio ambiente. O agronegócio conseguiu colocar 30 mil
pessoas em uma concentração em frente ao Congresso.
E outra vez a agenda nacional é, na verdade, uma agenda universal, que
trata de um modelo de produção e consumo que se tornou insustentável.
A crise vai ter um custo, mas quem vai pagar? E quanto mais agudos
forem os impactos da crise internacional no Brasil, maiores serão os
conflitos e as disputas pelos recursos públicos. A questão da defesa dos
direitos humanos se coloca imediatamente. Sem mais democracia, essa
desigualdade vai crescer, e com ela a violência, os conflitos sociais.
Sem mais cultura cívica, o contrário do que apresenta a TV aberta, o
caminho é a polarização de interesses, com a direita mais à vontade para
defender às claras sua agenda conservadora.
por Silvio Caccia Bava
Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
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